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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A pena de morte no Paquistão

No dia 16.12.14, sete extremistas invadiram uma escola militar em Peshawar e mataram 141 pessoas, sendo 132 crianças e adolescentes, deixando 124 feridos. O Thereek-e-Taliban Pakistan (Movimento dos Talibãs do Paquistão) assumiu a autoria, afirmando ser uma represália à ofensiva do exército nas áreas tribais ao longo da fronteira afegã.
Depois do massacre, o governo paquistanês suspendeu a moratória, em vigor desde 2008, sobre a aplicação da pena capital e anunciou a retomada das execuções dos condenados por terrorismo.  
Seis condenados à morte por terrorismo já foram executados. Outros 8.000 encarcerados estão no corredor da morte.
No dia 22.12.14, o Alto Comissariado da ONU repudiou a suspensão da moratória e conclamou ao seu restabelecimento.


sábado, 20 de dezembro de 2014

mais um passo contra a pena de morte


      Em 18 de dezembro deste ano, a Assembleia Geral da ONU votou pela quinta vez uma resolução conclamando ao estabelecimento de uma moratória na aplicação da pena de morte.
      O total de 117 países votaram a favor, 38 foram contra e 34 se abstiveram. Trata-se de uma votação recorde. Apoiaram a moratória, pela primeira vez, Suriname, Eritréia, Fidji, Guiné Equatorial e Níger.
 

       Mais informações: http://www.abolition.fr/node/4154.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

princípio de coerência em dosimetria

Assumindo a Primeira Vara da Comarca de Nova Mutum, tive a oportunidade de aplicar a tese da coerência em dosimetria. Segue a decisão:

Sentença

Autos 43761-83/09
1. Relatório


Na Apelação 17530/2010 (fls. 290-295), declarou-se a nulidade da sentença “(...) na parte relativa à dosimetria da pena, a fim de que o Juízo de primeiro grau proceda à análise da minorante insculpida no art. 33, § 4º, Lei 11.343/06 (...)”.

2. Fundamentação


Nas anotações de fls. 80, 155 e 157, observa-se a inexistência de inscrição de condenação com trânsito em julgado, pelo que primário o réu. Não há provas de maus antecedentes, tampouco indícios de que o réu se “dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa” (art. 33, §4º, Lei 11.343/06).

Ausentes os requisitos impeditivos do art. 33, §4º, Lei 11.343/06, observa-se que, anulada pelo Acórdão na Apelação 17530/2010 a terceira fase do método trifásico, se na primeira fase (art. 59, CP), o Juízo sentenciante aplicou a pena mínima, máxima deverá ser, atendendo-se ao princípio da coerência, elemento essencial de legitimidade de decisões judiciais, a diminuição decorrente do art. 33, § 4º, Lei 11.343/06, ou seja, 2/3 (dois terços), perfazendo o total de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses.

Embora a literalidade do art. 33, § 4º, Lei 11.343/06, vede a conversão em restritivas de direitos, e o art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90, imponha o regime inicialmente fechado, tais normas se apresentam contrárias ao princípio da proporcionalidade, da individualização da pena e da reserva judicial na fixação em concreto da prevenção e repressão. Neste sentido, STF, HC 102678/MG, Rel. Min. Eros Grau, d.j. 09.03.2010:


EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. A jurisprudência desta Corte está alinhada no sentido do cabimento da substituição da pena privativa de liberdade por outra, restritiva de direitos, nos crimes de tráfico de entorpecentes. Nesse sentido, o HC n. 93.857, Cezar Peluso, DJ de 16.10.09 e o HC n. 99.888, de que fui relator, DJ de 12.12.10. Ordem concedida.

Também, HC 101291/SP, Rel. Min. Eros Grau, d.j. 24.11.09:


EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. FIXAÇÃO DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS GRAVE DO QUE O PREVISTO EM LEI. DIREITO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE DIREITOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXCEÇÃO À SÚMULA 691. Tráfico de entorpecentes. Fixação da pena. Circunstâncias judiciais favoráveis. Pena fixada em quantidade que permite a substituição da privação de liberdade por restrição de direitos ou o início do cumprimento da pena no regime aberto. Imposição, não obstante, de regime fechado. Constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula 691/STF. Ordem concedida.

No mesmo sentido,

“Apesar da proibição contida no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, é possível a substituição da pena por restrição de direitos, considerando que a vedação imposta configura tratamento genérico violador do princípio constitucional da proporcionalidade. A aplicação do § 4º, do art. 33, da nova lei de droga, traz à baila a figura do tráfico privilegiado, que não está elencado no rol dos crimes hediondos ou a eles equiparados, de modo que não se estabelece como regra a fixação do regime fechado para o início do cumprimento da pena” (TJMG - 5ª C. - AP 1.0647.08.091233-8 - rel. Adilson Lamou¬nier - j. 25.08.2009 - DOE 08.09.2009 - ementa não-oficial).

Assim, ante a quantidade da pena fixada, inexistindo avaliação negativa das circunstâncias do art. 59, CP, pois a primeira fase do método trifásico não foi anulada, deverá também ser positiva, para fins de coerência, a avaliação do art. 33, §3º, CP, pelo que o regime há e ser o aberto (art. 33, § 2º, alínea ‘c’, CP).

Além disso, sendo positiva a avaliação das hipóteses do art. 59, CP, na primeira fase dosimétrica (não anulada), também deverá, para fins de coerência, ser positiva a avaliação do art. 44, inc. III, CP, e, inexistindo as hipóteses impeditivas do art. 44, inc. I e II, CP, substituo a restritiva de liberdade por restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade (art. 46, CP), em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução, na razão do art. 46, §3º, CP.


3. Dispositivo

a) Condenado João Ferrer de Figueiredo Filho nas sanções do art. 33, caput, Lei 11.343/06, aplico-lhe a pena de reclusão de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses, a ser cumprida no regime aberto (art. 33, § 2º, alínea ‘c’, CP), substituída por restritiva de direito (art. 44, CP), consistente em prestação de serviços à comunidade (art. 46, CP), em entidade e modo a serem definidos pelo Juízo da Execução, na razão do art. 46, §3º, CP, mantidos os demais itens do dispositivo da sentença de fls. 171-176;

b) Expeça-se alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso ou inexistir outro mandado de prisão em aberto;

c) Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se, cumprindo-se disposições administrativas inscritas na sentença de fls. 171-176.



Nova Mutum, 21.09.2010



Douglas Bernardes Romão

Juiz de Direito

sábado, 11 de setembro de 2010

estados intermediários entre liberdade e prisão

Interlocutória

Autos .........

1. Relatório

Trata-se de representação, subscrita pela Autoridade Policial, pela prisão preventiva de Xxxxx, imputando-lhe fatos subsumíveis ao art. 217-A, CP, fundamentando o pedido na eventualidade de fuga, o que deflagraria a necessidade de garantia da ordem pública, a conveniência da instrução penal e segurança da aplicação da lei.

Com a representação, parecer ministerial secundando-a, acrescentando a circunstância de a zzzz da vítima ter sido ameaçada pelo representado.

2. Fundamentação

     O pressuposto dos indícios da existência de crime encontram-se presentes em razão da uniformidade de relatos decorrentes da vítima, da vvvv, azzzz (convivente com o representado) e www da vítima. A primeira, ouvida em delegacia, com a presença de sua genitora, descreve:

“que ao chegar na oficina, Xxxxx levou Zzzz até uma partilheira, onde Xxxxx tirou a roupa da declarante, que insiswww para que Xxxxx parasse, que Xxxxx continuou, fazendo Zzzz pegar em seu órgão genital, Xxxxx colocou seu órgão genital na vagina da declarante; que, segundo a declarante, Xxxxx ejaculou; que, pela dor Zzzz voltou a insistir até que Xxxxx desistiu e parou” (fl. 14)

       A vvvv da vítima relata que a criança assim lhe narrou os fatos:

“que então, Zzzz pegou o aparelho de celular de sua vvvv, foi até o quarto e gravou a seguinte frase “vvvv é verdade, o Xxxxx faz [sic] besteira comigo vvvv... me desculpa vvvv... é tem que... eu to com medo de contar ta vvvv... ta obrigada ta... vvvv você vai ficar do meu lado?” (fl. 19)

      A azzzz da vítima, convivente com o representado, asseverava que desconfiava da proximidade do representado com a vítima (fl. 20). A www da vítima atesta que já foi molestada pelo representado (fl. 22).

      Em interrogatório inquisitorial, o representado nega as acusações.

      Há elementos empíricos que seriam capazes de deflagrar a preventiva:

a) ameaça à azzzz da vítima: “que yyyy, depois do ocorrido, foi morar na casa de sua filha vvvv, por que está com medo de ‘Xxxxx’, pois ‘Xxxxx’, disse na cidade, que ela Neuza vai lhe pagar.’ (fl. 20)

b) ameaça e medo inoculado na vítima: ““vvvv é verdade, o Xxxxx faz [sic] besteira comigo vvvv... me desculpa vvvv... é tem que... eu to com medo de contar ta vvvv... ta obrigada ta... vvvv você vai ficar do meu lado?” (fl. 19)

c) tentativa de fuga: “que apartir deste dia, Xxxxx começou a falar em ir embora do município e também procurou motivos para se separar de yyy, dizendo que ela é muito ciumenta.” (fl. 18)

     Estes fatos não são suficientes, sob a ótica de segurança probatória, para o encarceramento cautelar. Primeiro, a ameaça à zzzz é um relato de ‘ouvir dizer’ e não houve oitiva de testemunha direta da ameaça. Segundo, a tentativa de fuga, por si só, não é elemento suficiente para a preventiva a ponto de dispensando outros elementos que justifiquem o periculum libertatis (perigo da liberdade).

      O Ministério Público fundamenta a necessidade da preventiva apoiando-se nas informações do Infoseg (fls. 28-29), em que constam três inquéritos instaurados. Isto não é argumento hábil, ante o princípio da inocência, pois simples inquérito não pode afetar, por si só, o status libertatis (estado da liberdade).

     Ademais, o próprio pressuposto de indícios de existência de crime encontra-se fragilizado, pois a vítima relata ter sentido dor e o laudo pericial não consta lesão.

      Ponderando tais questões, observa-se mais prudente e jurídico estabelecer um estado intermediário entre liberdade e prisão, capaz de garantir proteção à vítima e familiares e inapto a gerar sacrifício desproporcional à liberdade.

       Logo, utilizando-se as medidas protetivas do âmbito do art. 21, Lei 11.340/06, apresenta-se mais proporcional fixar as seguintes alternativas à prisão:

1) Vedação de aproximação da ofendida ou de seus familiares a menos de 200 (duzentos) metros, salvo anuência;

2) Vedação de contato com a ofendida ou de seus familiares por qualquer meio de comunicação, salvo anuência;

3) Vedação de obtenção de registro de armas e porte de armas pelo prazo de 02 anos;

           Além disso, para burilar o equilíbrio entre cautelaridade e densidade normativa da liberdade, impende fixar a prisão domiciliar do representado até a conclusão do inquérito e oferecimento da denúncia no prazo do art. 46, CPP, e encerramento da instrução judicial, permitindo-se a saída para que o representado se dirija, com seus próprios meios, às audiências, devendo-se, na intimação desta, tomar o compromisso de o representado comparecer a todos atos do processo e não alterar de endereço sem prévia comunicação ao Juízo, sob pena de prisão em sistema penitenciário.
3. Dispositivo

a) Fixo a prisão domiciliar do representado, até a conclusão da instrução, permitindo-se a saída do mesmo para comparecer, por seus próprios meios, a todos os atos do processo;

b) Na intimação tome-se compromisso do representado de comparecer a todos atos do processo e não alterar de endereço sem prévia comunicação ao Juízo, sob pena de prisão em sistema penitenciário;

c) Intime-se a ofendida, na pessoa de sua genitora, cientificando-a que deverá informar, imediatamente, à Autoridade Policial ou ao Ministério Público o não atendimento das medidas protetivas por parte do agressor;

d) Fixo, ademais, as seguintes protetivas cautelares:

         1) Vedação de aproximação da ofendida ou de seus familiares a menos de 200 (duzentos) metros, salvo anuência;

        2) Vedação de contato com a ofendida ou de seus familiares por qualquer meio de comunicação, salvo anuência;

        3) Vedação de obtenção de registro de armas e porte de armas pelo prazo de 02 anos;
e) Comunique-se a condição de item ‘d.3’ acima ao Sinarm;
f) Aguarde-se a vinda tempestiva do IP e da denúncia nos termos do art. 46, CPP;

g) Expeça-se mandado de prisão domiciliar, inserindo-se tarja identificativa nestes autos;

h) Intimem-se, cumpra-se.


Cláudia, .......2010

Douglas Bernardes Romão

Juiz de Direito

terça-feira, 24 de agosto de 2010

elemento subjetivo e inépcia de denúncia

Sentença

Autos 44938-32/2005



1. Relatório

Trata-se de denúncia em face de xxxxxx, yyyyyy, zzzzzz, pppppp, qqqqqqq, bbbbbb, dddddd, cccccc e kkkkkk, wwwwww, imputando-lhes fatos subsumíveis ao art. 155, inc. IV, CP.

2. Fundamentação

a) Do recebimento da denúncia

             A denúncia encontra-se assim exarada em trecho sobre dolo:

                                     “(...) subtraíam para si ou para outrem (...)” (grifos nossos)

            Houve a transcrição da alternatividade do dolo transcendente do tipo subjetivo previsto em abstrato, não especificando a denúncia qual o elemento subjetivo específico no fato em concreto. Escapa aos critérios do art. 41, CPP, que exige, em razão da necessidade da ampla defesa, a declinação do tipo subjetivo real, que deve ser descrito, com precisão.

           A alternatividade inscrita na denúncia não viabiliza o exercício regular da ampla defesa, o que gera a incidência do art. 395, inc. I, CPP.

           Neste sentido, STF, HC 84.409/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.

1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.

2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.

3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.” (grifos nossos)



           No mesmo sentido, mutatis mutandis, STJ, RHC 16981/RJ, Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., d.j. 17.12.07, DJe 04.08.2008:



RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. OMISSÃO. INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO.

1. A omissão da intenção do agente, elemento subjetivo do tipo, suprime a regularidade formal da denúncia que há de descrever o fato em todas as suas circunstâncias, indeclinavelmente, ante o disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal.

2. Recurso provido.

b) Das armas

            Seja porque os denunciados negaram a propriedade da arma, seja porque não houve apresentação de registro das mesmas, seja porque já houve perícia sobre as mesmas, seja porque a denúncia não envolve porte ou posse de arma, devem as mesmas serem encaminhas ao Exército.

3. Dispositivo

a) Efetuo juízo de admissibilidade negativo da denúncia, nos termos do art. 395, inc. I, CPP;

b)  Remetam-se as armas ao Exército (art. 25, Lei 10.826/03);

c) Após o trânsito em julgado, arquive-se.



Cláudia, 20.08.10



Douglas Bernardes Romão

Juiz de Direito

terça-feira, 10 de agosto de 2010

refletindo sobre direito penal ambiental

Sentença

Autos 52543/524-56.2010.811.0101


1. Relatório


Trata-se de denúncia em face de xxxxxxxxx, imputando-lhe fatos descritos no art. 34, inc. III, Lei 9.605/98, descrevendo que, em exercício do poder de polícia, o órgão fiscalizatório ambiental estadual encontrou na empresa denunciada pescados, no congelador, no período de defeso, sem a declaração de estoque e armazenamento.
2. Fundamentação.

Eis o teor da denúncia ao narrar os fatos:

“Consta das peças de informações em anexo que no dia 21/12/2009, na Rua x, quadra xx, lote xx, neste município de Cláudia/MT, a denunciada manteve em estoque, para fins de comércio, 92 kg (noventa e dois quilos) de pescado da  espécie pintado, sem declaração de estoque e nota fiscal do produto em desacordo  [com] a legislação vigente, conforme se extrai do Auto de Infração nº 100973  oriundo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA e Relatório Técnico  nº 176/DUD/SEMA/Sinop/09, que constatou tratar-se de pescado proveniente de pesca proibida devido ao período de piracema.”

O auto de inspeção administrativa (fl. 18) apresenta o seguinte teor:

“Em fiscalização ambiental referente ao período de piracema no estabelecimento acima referido constatou-se comercialização/armazenamento de 92,00 kg de pescado da espécie pintado sem a declaração de estoque e armazenamento do pescado encontra-se em freezer no empreendimento.”

No relatório técnico (fl. 14), os fatos foram assim descritos:

“No empreendimento xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (xxxxxxxxxxx) constatou-se o estoque e comercialização de 92,00 kg (noventa e dois) quilos de pescado da espécie pintado sem a declaração de estoque e nota fiscal do produto.”

            Observa-se que inexistiu, seja na narrativa da denúncia, seja no relatório técnico ambiental ou no auto de inspeção administrativa, qualquer menção à data em que os peixes foram pescados.

             A autuação menciona, unicamente, que não havia declaração de estoque e armazenamento. Tal circunstância apenas gera infração administrativa inscrita no art. 24, Lei Estadual nº 9.096/09, verbis:

Art. 24. Durante o período de defeso só poderá ser comercializado o estoque de pescado que for declarado pelo próprio pescador, ou pessoa jurídica, e vistoriado pela SEMA, organismos conveniados, em data anterior ao seu início, salvo pescado que, comprovadamente, seja oriundo de outros Estados ou de criatórios devidamente licenciados.

Por conseqüência, gera infração administrativa ambiental, descrita no art. 70, Lei 9.605/98, verbis:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
              Ora, a infração administrativa não gera, por si só, configuração de injusto penal. Para haver o crime do art. 34, inc. III, Lei 9.605/98, necessário é a prova da pesca no período de defeso. Concluir que peixes armazenados em freezer, sem declaração de estoque e armazenamento, foram pescados no período de defesa consiste em presunção, incabível no direito penal, dado estar submetido ao princípio da certeza, mesmo que meramente processual. Além disso, as presunções no direito penal divorciam-se da regra básica de segurança probatória consistente em dever ser a acusação e condenação fundadas em provas. Presunção não é prova no direito penal - quando em desfavor do denunciado -, seja por não estar elencada no Título VII do CPP (art. 155-art. 250, CPP), seja por não ser passível de submissão ao contraditório e ampla defesa (art. 155, CPP).

A jurisprudência, quanto ao art. 34, inc. III, Lei 9.605/98, não admite a presunção. Neste sentido, TJMS, Proc. 2007.015887-6, 2ª T. Crim., d.j. 22.08.07, Rel. Des. Carlos Stephanini:

“E M E N T A -APELAÇÃO CRIMINAL -APELADO ACUSADO DE COMERCIALIZAR ESPÉCIMES PROVENIENTES DE PESCA PROIBIDA -INFRAÇÃO PREVISTA NO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI N. 9.605/98 -ABSOLVIÇÃO EM 1ª INSTÂNCIA -INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL -IMPROCEDÊNCIA -INSUFICIÊNCIA DE PROVAS A DEMONSTRAR QUE OS PEIXES APREENDIDOS FORAM PESCADOS NA ÉPOCA DA PIRACEMA -INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS DO PESCADO -NÃO PODE GERAR A PRESUNÇÃO DE CULPA -IMPROVIMENTO.

Não havendo provas suficientes, firmes e seguras no sentido de demonstrar que o acusado estava comercializando pescado em seu restaurante proveniente de pesca proibida, ou seja, pesca ocorrida durante o período da piracema, a absolvição é medida que se impõe, não podendo a ausência de notas fiscais do pescado apreendido servir de justificativa para presumir a culpa do acusado.” (grifos nossos)
No mesmo sentido, TJMS, Ap. Crim. 15887 – MS 207.015887-6, Rel. Des. Carlos Stephanini, d.j. 22.08.07, 2ª T. Crim., publicação 03.09.07:
“APELAÇÃO CRIMINAL - APELADO ACUSADO DE COMERCIALIZAR ESPÉCIMES PROVENIENTES DE PESCA PROIBIDA - INFRAÇÃO PREVISTA NO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI N. 9.605/98 - ABSOLVIÇÃO EM 1ª INSTÂNCIA - INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - IMPROCEDÊNCIA - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS A DEMONSTRAR QUE OS PEIXES APREENDIDOS FORAM PESCADOS NA ÉPOCA DA PIRACEMA - INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS DO PESCADO - NÃO PODE GERAR A PRESUNÇÃO DE CULPA - IMPROVIMENTO.” (grifos nossos)
Ainda, TJPR, Ap. Crim. 6286466 PR 0628646-6, Rel. Carlos Augusto A. de Mello, d.j. 21.01.2010, 2ª Câm. Crim., DJ 627:

“APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTAR, COMERCIALIZAR, BENEFICIAR OU INDUSTRIALIZAR ESPÉCIES PROVENIENTES DA COLETA, APANHA OU PESCA PROIBIDAS (ART.34, § único, III DA LEI 9.605/98). ORIGEM ILEGAL DOS PESCADOS NÃO COMPROVADA. PROVA INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE CONVICÇÃO SEGURA. PRINCÍPIO "IN DÚBIO PRO REO". ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.” (grifos nossos)

             Não comprovado pelo Ministério Público, em sede de lastro probatório mínimo, que a pesca ocorreu em período de defesa, não sendo suficiente a ausência de declaração de estoque e armazenamento, a denúncia deve ser rejeitada, em atenção aos postulados básicos do Estado Democrático de Direito, a resguardar o princípio da ampla defesa e vedar a aplicação de presunções em direito penal, quando desfavoráveis ao cidadão.

Neste sentido, STF, HC 84.409/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.

1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.

2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.

3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.” (grifos nossos)


3. Do exposto,

a) Efetuo juízo de admissibilidade negativo da denúncia, nos termos do art. 395, inc. III, CPP;

b) Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se.

c) cumpra-se.

Cláudia, 06.08.2010

Douglas Bernardes Romão

Juiz de Direito

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

para refletir sobre princípio do acusatório

Sentença



Autos 44338-30/2005



1. Relatório



             Trata-se de denúncia em face de xxxxxx, imputando-lhe atos subsumíveis à hipótese típica do art. 121, caput, CP.

             Em alegações finais, o Ministério Público postula a absolvição sumária (fls. 289-296).



2. Fundamentação



           Em atenção ao princípio do acusatório (art. 129, inc. I, CF/88), que gera a não-recepção do art. 385, CPP, o requerimento do Ministério Público pela absolvição sumária é vinculante. Neste sentido, TJMG, Número do processo: 1.0024.05.702576-9/001(1), Númeração Única: 7025769-06.2005.8.13.0024 , Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, Relator do Acórdão: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, Data do Julgamento: 13/10/2009, Data da Publicação: 27/10/2009



Inteiro Teor:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - ABSOLVIÇÃO DOS REUS DECRETADA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS - VINCULAÇÃO DO JULGADOR - SISTEMA ACUSATÓRIO.

I - Deve ser decretada a absolvição quando, em alegações finais do Ministério Público, houver pedido nesse sentido, pois, neste caso, haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador.

II - O sistema acusatório sustenta-se no princípio dialético que rege um processo de sujeitos cujas funções são absolutamente distintas, a de julgamento, de acusação e a de defesa. O juiz, terceiro imparcial, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da gestão das provas, que está cargo das partes. O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador, que a invoca, e só se realiza validade diante da atuação do defensor.

III - Afirma-se que, se o juiz condena mesmo diante do pedido de absolvição elaborado pelo Ministério Público em alegações finais está, seguramente, atuando sem necessária provocação, portanto, confundindo-se com a figura do acusador, e ainda, decidindo sem o cumprimento do contraditório.

IV - A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência do sistema acusatório, preservando a separação entre as funções, enquanto que a possibilidade de condenação mesmo diante do espaço vazio deixado pelo acusador, caracteriza o julgador inquisidor, cujo convencimento não está limitado pelo contraditório, ao contrário, é decididamente parcial ao ponto de substituir o órgão acusador, fazendo subsistir uma pretensão abandonada pelo Ministério Público.




Aliás, a vinculação afeta também o princípio da independência funcional do Ministério Público, de modo que, havendo alteração da Promotora que requereu a absolvição sumária, não poderá, por ausência de interesse recursal, outro Promotor recorrer da decisão, de modo que esta se torna irrecorrível.

3. Dispositivo

a) Absolvo sumariamente o denunciado, nos termos do art. 415, inc. IV, CPP;

b) Fixo em prol do advogado nomeado honorários a serem custeados pelo Estado de Mato Grosso no importe mínimo da Tabela da OAB/MT para defesa na primeira fase de processos de crimes dolosos contra a vida;

c) Intimem-se e arquive-se independentemente de trânsito em julgado..



Cláudia, 15.07.2010




Douglas Bernardes Romão

Juiz de Direito